C-Talks | Saúde mental dentro das organizações

Na 7ª edição do C-Talks João Márcio Souza (CEO da Talenses Executive e um dos sócios fundadores do Talenses Group) apresentou os resultados de um levantamento exclusivo feito pela Talenses Executive em parceria com a Fundação Dom Cabral sobre os impactos da pandemia na saúde mental dos profissionais. Na sequência, João recebeu convidados com backgrounds expressivos para discutir sobre o assunto: Jeane Tsutsui (CEO do Grupo Fleury), João Senise (VP de Gestão de Pessoas do Carrefour) e Dr. Arthur Guerra (prof. da Faculdade de Medicina da USP, da Faculdade de Medicina do ABC e cofundador da Caliandra Saúde Mental).

Os resultados da pesquisa você encontra aqui.

Saúde mental: nova abordagem 

O bate papo começou com uma fala do Dr. Arthur, em que ele enumera 4 certezas sobre a pandemia. A primeira é que não sabemos os efeitos pós pandemia, mas eles certamente existirão. A segunda é que o vírus deve ser levado a sério, pois é agressivo e realmente mata. Na terceira, ele enfatiza os cuidados básicos: lavar bem as mãos, uso de máscaras e, principalmente, a vacinação em massa. Por fim, como quarta e última certeza, o psiquiatra reforça a importância do assunto em debate dizendo que a saúde mental é um dos principais tópicos afetados durante a pandemia, e deve ser levada ao primeiro plano.

“Sou psiquiatra há 43 anos e nunca vi tantas pessoas com tanto sofrimento como estamos vendo agora”. Dr. Arthur ainda diferenciou os conceitos de ansiedade, síndrome do pânico, depressão e burnout. Se classicamente saúde mental era traduzido como ausência de doenças mentais, hoje em dia o tema passa ser analisado sob a ótica de qualidade de vida – física, emocional e cultural. Isto é, como resultado de definições da própria OMS, saúde mental não é simplesmente ausência de doença, mas sim a presença de qualidade de vida.

Ações das organizações

Jeane reforça que a questão da saúde mental já era um tema que levantava preocupações mesmo antes da pandemia. Nessa linha, a busca pelo equilíbrio entre a vida pessoal e a vida profissional guia tomadas de decisões das pessoas e as organizações já estruturavam ações para garantir a sustentação deste pilar. Com a pandemia, os níveis de ansiedade e insegurança subiram a patamares exponenciais, ao mesmo tempo em que cuidados com a rotina de exercícios físicos e alimentação equilibrada caem drasticamente. Quando olhamos para esse cenário, os desafios das organizações passam desde fôlego financeiro para atravessar a crise econômica decorrente da pandemia até focar de modo heterogêneo para assegurar que seus colaboradores também conseguissem atravessar este período sem abalos avassaladores. Além de estar na linha de frente e atuar como agente direto no combate ao vírus, o Grupo Fleury implementou – e segue implementando – ações para suportar seus colaboradores.

João Senise também dividiu sua percepção sobre o assunto neste contexto particular, bem como as medidas que o Carrefour estruturou para a saúde mental das pessoas que fazem parte do grupo. Segundo ele, hoje esperamos dos líderes o mesmo que esperávamos no passado: um tom mais forte de humanização das relações interpessoais. A diferença é que esta expectativa se revela como uma necessidade mais urgente no palco atual do que era há alguns anos. A sociedade como um todo vem aprendendo a lidar com o tema da saúde mental com mais naturalidade e menos preconceito, já que depressão era facilmente (des)caracterizada como preguiça, e ansiedade como descontrole. Ou seja, se antes eram colocados adjetivos para descrever transtornos mentais, hoje passamos a enxergar esses problemas com a profundidade e complexidade que merecem.

Falando sobre o Carrefour, João reitera que uma das preocupações é tentar mostrar um lado mais humano dos líderes, e não fazer com que escondam suas vulnerabilidades. Pelo contrário: educar para que as exponham.

Mulheres são as mais afetadas por questões de saúde mental

 

Jeane passou pelos aspectos que rondam a maior exposição das mulheres a doenças mentais. Primeiro, estão mais sobrecarregadas, visto que a sobreposição das funções da casa (que aumentaram significativamente durante a pandemia) é assimétrica e infelizmente ainda atinge mais as mulheres do que os homens. Essa sobrecarga gera mais stress e as torna mais suscetíveis a quadros de ansiedade, Burnout, depressão e síndrome do pânico. Além disso, o desemprego entre as mulheres se mostrou maior que entre os homens durante o período da pandemia. Por fim, ela também ressaltou que a violência doméstica representa mais um grande buraco que dificulta toda a luta pela equidade de gênero, e esse buraco acabou sendo alargado nos últimos meses, com o advento da pandemia.

O que nos aguarda no futuro?

Dr. Arthur trouxe para a roda de conversas um dado interessante, que complementa a fala de Jeane: o consumo de álcool aumentou durante a pandemia, e especialmente entre as mulheres. A longo prazo, tudo indica que, apesar de já estarem em níveis estratosféricos, os números que representam quadros de doenças mentais tendem a subir ainda mais.

João Senise compartilhou também sua visão. Ainda sobre violência doméstica, ele colocou luz a uma questão relevante: a maioria dos casos não sai das quatro paredes, e pouca gente fica sabendo. O problema passa a ser então como identificar essas situações. Passando para a realidade do Carrefour, o grande desafio durante a pandemia foi como estabelecer ajuda para todas as pessoas, mesmo diante das tantas particularidades e necessidades de cada um. Outra dificuldade – dessa vez em um cenário mais abrangente e não mais restrito à realidade do Carrefour – é reestabelecer a referência do aceitável. Um exemplo nesse sentido é a evolução da quantidade de mortes diárias por conta da COVID-19, que vira uma curva referencial que passa a ser praticamente “aceitável” quando se encontra na parte mais baixa.

Sob uma perspectiva otimista, ele diz que iluminar as questões de saúde mental trouxe uma sensibilidade e um senso de urgência ao tema que não existia com tal intensidade antes da pandemia.

João Márcio complementa com uma reflexão: “será que não estaríamos diante de uma revisão dos modelos de sucesso do mundo corporativo?”, considerando que o que antigamente era valorizado como bem-sucedido (dinheiro na conta, carro na garagem e apartamento quitado) passa a ser substituído por outros parâmetros (qualidade de vida e equilíbrio entre vida profissional e pessoal).

Jeane trouxe também outros elementos para o debate. Segundo ela, querendo ou não as pessoas trouxeram um lado mais humano para o ambiente de trabalho, colocando um pouco mais de suas vidas pessoais em evidência no próprio contexto profissional. Nas reuniões por vídeos, as pessoas abriram suas casas, mostraram seus animais de estimação, seus filhos, e toda a dimensão individual da pessoa que não é mais enxergada apenas como um membro da equipe / um cliente / um fornecedor / um parceiro de negócios.

Um segundo aspecto que ela coloca em relevo é o aprendizado que surge a partir do momento em que lidamos com incertezas. Nos percebemos muito vulneráveis, e nos reinventamos a partir das necessidades do momento. Exemplo maior disso são as plataformas digitais e a injeção de tecnologia no dia a dia de praticamente todas as organizações.

O esporte em cena: o melhor remédio

“Mais esporte, menos remédio”, afirma Dr. Arthur, que é praticante assíduo de triathlon e compete em provas de Ironman, que são eventos que reúnem no mesmo dia 3.800 metros de natação seguidos de 180 quilômetros de ciclismo e uma maratona (42,2 quilômetros de corrida) para fechar. Na visão dele, qualquer um é capaz de fazer desafios como este, desde que tenha tempo para treinar, e a prática regular e constante de esportes favorece a manter a mente em equilíbrio. Além do esporte, ter uma alimentação adequada e prestar atenção na qualidade do sono são pilares essenciais para mantermos nosso bem-estar.

 

Há males que vêm para o bem

Para encerrar o debate, João Marcio pede para que cada convidado finalize com uma mensagem positiva. Jeane cita dois aspectos principais: o efeito positivo em dar luz a um tema bastante antigo, e que somente agora está cada vez mais em evidência, e o segundo aspecto que está relacionado ao comportamento das pessoas, que ao reconhecerem suas vulnerabilidades tornaram-se mais humanas e empáticas. João Senise afirma ser um otimista por natureza, e que este momento está nos ajudando a quebrar paradigmas e dar foco ao que importa: nossa qualidade de vida. Dr. Arthur fala sobre a responsabilidade de todos neste assunto: “sempre falo que o exemplo não é a melhor forma de ensinar algo para alguém. É a única”.